Seca expõe a dependência econômica de municípios no Amazonas

Foto: Defesa Civil/Envira/Divulgação (Seca inviabiliza navegação de embarcações com mercadorias para os municípios)

22/09/2023, sexta-feira

Por Marcelo Moreira, do ATUAL

MANAUS – A seca dos rios no Amazonas restringe a navegação, principal modal de transporte para o interior do estado, contribui para o isolamento de comunidades, encarece produtos básicos, e expõe a dependência econômica das cidades. Alimentos são levados principalmente de Manaus. Também precisam de combustíveis para o funcionamento de serviços essenciais.

Em Benjamin Constant (a 1.118 quilômetros de Manaus), município que declarou situação de emergência, comerciantes vão até a cidade vizinha de Tabatinga [1.106 quilômetros de da capital] para retirar mercadorias. A pouca profundidade dificulta o acesso de embarcações a Benjamin.

Tabatinga é a cidade de interligação no Alto Solimões onde o que chega sai, principalmente, de Manaus. A maior parte dos demais municípios da região também depende da capital para se manter economicamente ativos.

"A mercadoria vem até Tabatinga e o trajeto de Bejamin Constant até lá eram 2 horas, agora é de 6 a 7 horas. As pessoas estão guardando suas mercadorias para quando acabar o estoque", disse o comerciante Ares da Silva Cabral, de 56 anos.

Com o isolamento de Benjamin Constant, pequenos empresários pagam canoeiros para retirarem em Tabatinga alimentos e outras mercadorias enviados de Manaus. Como o trajeto ficou lento devido aos bancos de areia, eles relatam medo de ataque de piratas.

Ares da Silva conta que alimentos congelados, como carne e frango, trafegam em canoas de Tabatinga a Benjamin Constant cobertos por lonas e sob altas temperaturas. O Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência) também faz esse trajeto. A expectativa dos moradores é de que seja feita a dragagem (retirada da areia central do rio) na região para melhorar a navegação, mas não há previsão para isso acontecer.


A economista Denise Kassama explica que a seca prejudica, principalmente, a agricultura e a pecuária, comprometendo a renda dos amazonenses e a economia dos municípios. Segundo ela, o Estado deve garantir auxílio às pessoas afetadas.

"O interior do Amazonas já é tão sacrificado, dada a nossa geografia. A gente tem sedes de municípios bastante isolados e de difícil comunicação entre si, mesmo estando na mesma calha, na mesma área. Se compromete safra, compromete a renda da população, que já não está muito bem e acaba piorando", disse Denise.

"O governo tem que buscar um subsídio, a exemplo do seguro defeso. O nosso agricultor, nosso pescador, também vai precisar de algo similar. Se não tem como plantar, se tá tudo seco, se tá assim aqui em Manaus, imagine no interior", acrescentou.

A distância entre os municípios amazonenses dificulta, na opinião de Denise Kassama, a relação econômica entre eles, ainda mais porque são dependentes de outras cidades. A economista afirma que os moradores sobrevivem, majoritariamente, de recursos governamentais.

"Grande maioria dos municípios do interior sobrevive do repasse de tributos do governo federal e do governo estadual. Para melhorar essa situação, o que precisa é melhorar a questão logística, criar hubs [locais estratégicos] de escoamento da produção, criar propostas de atingir pelo menos municípios vizinhos, que haja uma comercialização entre eles, entre as calhas, pelas regiões", disse Denise.

Em Envira (a 1.206 quilômetros de Manaus), que também decretou situação de emergência por causa da seca, a qualidade dos alimentos é comprometida porque as mercadorias são levadas do município de Feijó (AC). Segundo os moradores, os barcos estão gastando de oito a nove dias para chegar à cidade. Com isso, há escassez de produtos.

Risco de desabastecimento de água

O abastecimento de água potável em algumas cidades amazonenses também é dependente do fornecimento de outros municípios. É o caso de Tefé (a 522 quilômetros de Manaus), onde o galão é vendido a R$ 16. A cidade compra água potável da capital, mas devido à estiagem os barcos param no Rio Solimões, a 5 quilômetros da sede. A seca do Rio Tefé inviabiliza o transporte de grandes embarcações.

Segundo os moradores, em tempo de seca severa as revendedoras de água potável comercializam o produto a R$ 25 para cobrir os custos com transporte.

"Os barcos não entram, só entram as 'catraias', como são chamadas as canoas. Aí as pessoas que vêm descem do recreio, pegam a catraia e vêm até o município", disse Ricardo Meza, de 35 anos, morador de Tefé e professor de Geografia.

"A cidade é abastecida pelo SAAE [Serviço Autônomo De Água e Esgoto], mas essa água não é de utilidade boa. A água do SAAE é mais pra lavar e tomar banho. Nós ficamos dependentes da capital. Água, alimentos e abastecimento em geral, até mesmo gasolina. Ainda não chegou o período de escassez, porque os barcos estão vindo, mas chega um período que a pessoa não encontra mais nada", acrescentou Ricardo.

A Cosama (Companhia de Saneamento do Amazonas) informou que por causa do período de estiagem, há redução na captação e produção de água no interior do estado. As estações da companhia fazem o tratamento e abastecimento de água em 15 municípios: Atalaia do norte, Alvarães, Autazes, Benjamin Constant, Careiro da Várzea, Carauari, Codajás, Eirunepé, Itamarati, Juruá, Manaquiri, Nova Olinda Norte, Nhamundá, São Paulo de Olivença e Tabatinga.

Em nota, a Cosama informou que 80% da água fornecida é desperdiçada com a quebra de canos, e isso agrava o risco de desabastecimento. Segundo a companhia, nenhuma cidade está sem fornecimento de água.

"O desperdício de água prejudica o sistema de abastecimento, principalmente nesse período de estiagem devido aos níveis de captação e vazão baixa fazendo com que o trabalho do processamento de água seja maior do que o normal, sendo que o desperdício ocorre devido a diversos fatores como a falta de dispositivos como reservatórios domésticos como caixa d'água e dispositivo de controle como boia nos reservatórios e torneiras e o não reparo de vazamentos na tubulações e, principalmente a falta de cuidado e consciência do usuário", diz em nota.

Na terça-feira (12), durante o lançamento da Operação Estiagem 2023, a Defesa Civil do Amazonas expôs as principais consequências da seca, como falta de energia elétrica, falta de água, interrupção das comunicações, perda de produção agrícola, contaminação de lagos e morte de peixes, desabastecimento do comércio e escassez de alimentos.

Impacto nas vendas

O abastecimento de alimentos produzidos no interior e vendidos na capital também é afetado pela estiagem. O produtor de farinha Jhony Brito, de 35 anos, que comercializa no Centro da capital o produto trazido de Uarini (a 564 quilômetros de Manaus), explica que o quilo do alimento aumentou de R$ 15 para R$ 17 reais devido ao custo do transporte.

Por causa do baixo nível do rio, o produtor custeia frete de canoas, carros e motos semanalmente, já que embarcações maiores não conseguem chegar à cidade. Com isso, param até certo ponto do rio de onde é feito o transporte terrestre à sede do município.

"É uma dificuldade tremenda. Muitas pessoas não têm transporte. Temos que arcar com os fretes de canoa, do carro, da moto. Isso gera um custo muito grande pra gente, e acaba afetando no custo final do produto. Isso nos afeta no escoamento da produção", disse Jhony.

O produtor de farinha Augusto Cezar, de 53 anos, que trabalha na feira da Manaus Moderna, diz que os gastos com transporte e a alta no preço do produto causa prejuízo nas vendas. A expectativa do vendedor é de que o custo fique ainda maior nas próximas semanas.

"Os clientes que levavam 10 quilos, agora levam cinco. Quem levava 20 [quilos], leva 10. Diminui a quantidade. Cai a venda", disse Augusto. "Tá muito difícil trazer a farinha lá da casa da farinha [em Uarini]. O frete aumentou. Até chegar ao barco, paga frete de carro pra deixar lá em baixo [na embarcação] ", acrescentou.

Segundo pesquisadores do Serviço Geológico do Brasil, a seca no Amazonas deve durar até outubro, mas meteorologistas acreditam que por causa do fenômeno El Niño, que é o aquecimento anormal do oceano, a estiagem pode durar mais tempo.

"É preciso melhorar o acesso"

A especialista em logística e professora de Engenharia Naval da UEA (Universidade do Estado do Amazonas), Marina Aranha, afirma que falta incentivo governamental para criar embarcações adaptadas ao período de seca, e, consequentemente, melhorar o acesso aos municípios isolados. Algumas cidades podem ser acessadas por meio de avião, mas com alto custo.

Segundo Aranha, não há quantitativo suficiente de embarcações para a realidade amazônica. Com o melhoramento do acesso, segundo ela, os municípios ficariam menos isolados e teriam mais oportunidades de realizar fluxos comerciais com maior autonomia.

"Seria importante incentivo do governo para se gerar novos modelos de embarcações, financiamento dessas estruturas portuárias que melhorem o acesso e o transporte de passageiros. Se houvesse um programa para o aumento da frota de embarcações adequadas para cada calha, direcionadas para os interiores específicos, já resolveria muitas situações", disse Marina.

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