Foto: Reprodução/Redes Sociais (Izabel Cristine)
02/11/2024, sábado
Manaus é uma das cidades mais indígenas do País, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, a capital amazonense se consolidou como o município com o maior número de habitantes indígenas, com 71,7 mil pessoas que se identificam como parte dos povos originários.
MANAUS (AM) - Manaus é uma das cidades mais indígenas do País, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Em 2022, a capital amazonense se consolidou como o município com o maior número de habitantes indígenas, com 71,7 mil pessoas que se identificam como parte dos povos originários. A cidade ficou à frente de outros dois municípios com grande população indígena: São Gabriel da Cachoeira (AM) e Tabatinga (AM), localizados a 856 e 1.106 quilômetros distantes de Manaus, respectivamente.
Os números refletem a relevância do Amazonas como um dos principais Estados brasileiro em termos de população indígena, abrigando algumas das maiores etnias do País. Para relembrar os 355 anos da capital, a CENARIUM conversou com indígenas que exaltam a importância da cidade para a construção das suas identidades, principalmente para aqueles que não nascerem na metrópole.
Para Izabel Cristine, da etnia Munduruku, coordenadora do Movimento dos Estudantes Indígenas do Amazonas (Meiam), membro do Coletivo de Juventude Munduruku do Amazonas e doutoranda em história na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), é impossível desvincular a história de Manaus da presença indígena, apesar de tentativas constantes de apagar essa herança.
"A relação entre a ideia de ser manauara e a prática de ser manauara é marcada pela tentativa constante de nos distanciarmos dos hábitos, costumes e da cultura indígena. Porém, na prática, percebemos que muitos dos nossos hábitos e crenças estão profundamente enraizados no cotidiano da cidade, incluindo a alimentação, que tem influências diretas das culturas indígenas presentes em Manaus", afirmou.
Ela ressaltou que não nasceu em Manaus, mas assim como muitas outras famílias indígenas, sua família foi forçada a deixar seu território e construiu a vida na capital: "Minha família passa pelo mesmo processo que inúmeras outras famílias são condicionadas a passar enquanto pessoas indígenas, que é justamente a saída do território em busca de melhorias de vida. Eu moro aqui em Manaus desde criança, então me considero também desse contexto, parte dessa cidade", explicou.
A jovem ainda relembra a presença indígena ancestral em Manaus, evidenciada por vestígios arqueológicos, como urnas funerárias e petróglifos encontrados na famosa Ponta das Lajes, além de cemitérios indígenas espalhados pela cidade. "Manaus é historicamente um território indígena", afirmou, reforçando a importância de reconhecer essa continuidade histórica.
Diversidade e oportunidade
A presidente da Comissão de Amparo e Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas da Ordem dos Advogados do Brasil - Seccional Amazonas (OAB-AM), Inory Kanamari, define a cidade como um refúgio para os espíritos encantados, que buscam a capital por causa, principalmente, das oportunidades de estudo e trabalho.
Ela, natural do Seringal Aracu, no Rio Juruá, se mudou há 19 anos para Manaus em busca de crescimento profissional. A advogada destaca que a diversidade cultural da cidade se dá pela intensa influência dos povos originários.
"Bem, como indígena, eu vim atrás de educação, de estudo, e eu vejo Manaus como um local de oportunidades, em que a gente consegue ter esse misto de várias culturas", destaca ela. "É uma cidade que proporciona estudo, cultura, diversidade cultural e até linguística, porque aqui são faladas mais de 27 línguas só na capital, contando com português, e são línguas indígenas, línguas de povos originários".
A cacica do Parque das Tribos Lutana Kokama também compartilha o sentimento com a cidade de Manaus. A localidade é considerada o maior bairro indígena do Brasil em homologação. "Para mim, Manaus é uma cidade acolhedora e que representa a nossa cara, onde eu me sinto livre para mostrar nossa cultura indígena", acrescenta.
Desafios de identidade e racismo estrutural
Para além das questões culturais, a pesquisadora Izabel Cristine trouxe à tona outro desafio: o racismo estrutural enfrentado pelos povos indígenas que vivem em Manaus. A historiadora salientou que, apesar de serem parte da cidade, muitos indígenas são vistos como alheios ao espaço urbano e sofrem preconceito por não corresponderem ao estereótipo do indígena do passado.
"A cidade e as pessoas aprenderam o que é ser indígena de uma forma diferente daquilo que nós somos. O que está nos livros muitas vezes é aquele indígena do século 19, do século 18, e nós somos sujeitos desse tempo", pontuou.
Izabel Munduruku também destacou a importância de romper com estereótipos e reforçar a presença indígena nos espaços públicos de Manaus, não apenas para resgatar o passado, mas para afirmar que os povos indígenas são protagonistas do presente. "Precisamos romper com esses estereótipos e avançar essas fronteiras. É um desafio muito grande", afirmou.
A ideia também é compartilhada por Inory, que lembra o desafio que é interagir com a área urbana sem perder a identidade originária. "É uma cidade histórica que traz ligação muito forte com a cultura indígena, e é meio que um contraste ao mesmo tempo que a gente vê essa cultura e esses estereótipos muito fortes. Muitas das pessoas negam a sua herança indígena, negam essa ligação, mas, assim, é uma cidade de oportunidade, é uma cidade que nós, enquanto povos indígenas, a gente vem para cidade buscando não se integrar, mas se interagir", explica.
Violência
Apesar das esperanças renovadas com o fim do Governo Jair Bolsonaro e a criação do Ministério dos Povos Indígenas, 2023 manteve altos índices de violência, mortes e desassistência entre os povos indígenas no Brasil. Essa é a denúncia central do relatório "Violência contra os Povos Indígenas no Brasil – Dados de 2023", divulgado no dia 22 pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi), vinculado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
O relatório apresenta que, em 2023, foram registrados 411 casos de violência contra indígenas, incluindo 208 assassinatos e 35 tentativas de homicídio. Conforme o estudo, a violência contra essas populações está relacionada a conflitos territoriais, com ataques como os promovidos por garimpeiros contra indígenas Yanomami em Roraima e no Amazonas, além de confrontos armados com povos Tembé e Turiwara, no Pará, que envolvem interesses econômicos de empresas ligadas à monocultura e à produção de óleo de dendê.
No campo da violência contra o patrimônio, o documento aponta 1.276 casos em 2023, ligeiramente abaixo dos 1.334 registrados em 2022. A maioria das ocorrências está associada à morosidade na regularização de terras indígenas, com 850 registros. Outras invasões e exploração ilegal de recursos naturais somaram 276 casos.
O Marco Temporal, aprovado no final de 2023, limita a demarcação de terras indígenas apenas àquelas que estavam sob posse ou disputa na data da promulgação da Constituição de 1988. Mesmo declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, sua aprovação no Congresso tornou-se um símbolo das disputas em torno dos direitos indígenas.
Editado por Marcela Leiros
Revisado por Gustavo Gilona
Fonte: Carol Veras e Marcela Leiros - DA AGÊNCIA CENARIUM
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